sexta-feira, 25 de junho de 2010

morte

eu confesso. vivi tudo que havia de viver. previ quase tudo que vai ainda acontecer. chorei as emoções que ainda estão para compreender. sou tudo aquilo que meu tempo bastou. a finitude sempre para mim se estendeu. muitos falaram do inferno, mas poucos compreenderam o que é. todos buscaram ao céu, mas eu sempre o neguei. de tudo que posso dizer, já foi dito. de tudo que pude pensar, não mais pensarão. a vida se fecha na medida que tudo para mim se abre. nada mais posso fazer e tudo menos quero desfazer. do alto da torre sussurrei. do fundo do poço gritei. e aqui anunciada a chegada de minha morte, digo com toda certeza. estou à beira da vida.

domingo, 20 de junho de 2010

sujo

eu não lembro bem como tudo aconteceu. lembro do comboio, dos rapazes parando na estrada para abastecer, do sanduiche mal feito que comi, da luz do sol refletindo no espelho, das piadas que contavam com o vento insistindo em não nos deixar ouvir, lembro do concerto de vivaldi que estava na minha cabeça. mas não lembro como começou. do nada os tiros começaram, me abaixei para ver, consegui contar sete deles. éramos nove. em toda a história essa era parada fácil pra gente. caíram três de lá em dois minutos. vi o angelo no chão. pegaram a perna dele. bruno o puxou para o canto e deu seu lenço pra ele amarrar na perna. do jeito que bruno era, ia pegar nojo do lenço depois e nunca mais usaria. mas não hesitou em dar para angelo. um irmão por um irmão. a regra. com a arma de angelo, bruno virara um cowboy. john wayne não faria melhor. ele acertou mais dois. o otávio pegou um deles que tentava fugir, no meio da rua. otávio era bom de mira. uma vez me lembro dele atirando em dois caras totalmente sem ângulo. eu queria me tornar cada um deles ali. mas eu tinha contado sete e eles esqueceram do último. ele tava atrás do balcão. não sei como, mas ele estava ali. o covarde esperou seus homens morrerem para tentar algo. o bruno tava levantando angelo pra levá-lo pra fora. eles não tinham nos contado. atirei. no pescoço. se ele não morresse ali, quando voltasse era homem morto. no mesmo instante, o bruno virou pra mim com o olhar de quem achava que eu queria ter atirado nele. "seu idiota!". e ele olhou pra trás. me olhou de novo mas com outro olhar. "obrigado, me salvou". sem falar nenhuma palavra. enquanto todos davam conta de angelo eu fui ver o que tinha acontecido. todos estavam cheios de balas. e o que eu atingi só tinha uma. a minha. era o sargento deles. que sargento de merda. eu o tinha visto uma vez numa feira. ele ainda estava vivo. ou ao menos por alguns instantes. vi o sangue dele sair pelo nariz. pela boca. pelos olhos. e um jato de sangue saindo do buraco da bala sujando a parede de trás do balcão. não atirei mais para calá-lo, eu queria ouvir suas últimas palavras. mas eu só conseguia ouvir no meio da voz rouca que falava e engolia sangue: "seu bastardo sujo! seu bastardo sujo!". naquele momento entendi. minhas mãos fediam a pólvora. meu rosto mudara. minha alma escurecera. meu braço não mais tremia. minha cabeça não mais duvidava. porém tudo se apagava. tudo pareceu claro naquele instante de horror. tudo tinha mudado. tudo. o cinza não existia mais. era o longo calvagar para a minha própria escuridão. eu sei que aquilo me valeria a condecoração inteira. mas para mim era mais que isso. mais que mais um significado nas minhas costas. aquilo me mudara a ponto de eu não conseguir não esquecer nada. exceto como tudo começou. mas sempre iria lembrar a partir do momento que começou. tudo agora fazia sentindo. tudo estava à minha frente. o tudo era isso. tudo era sujo. e eu me tornara um dos poucos a notar isso.