“mas quem escreve não escreve com sentimento. é com técnica e leitura”. e todos os músculos pararam para responder a isso. ou a tentativa de resposta. não é a primeira vez que isso acontece, especialmente com ela. acho que outras vezes parei, pensei e rebati, mas não lembro bem, são essas intermitências do tempo presente. talvez não seja só isso, não é só uma pandemia, é uma distância grande, não tanto de idade dessa vez, mas ela tá em outra cidade, continuou a fazer na academia o que eu recusei.
“escrita criativa é um engodo”, era isso que eu queria
falar. isso só existe nos departamentos que produzem críticos literários, todos
frustrados, doutores em literatura comparada, todos pedantes. gente que não
consegue escrever uma linha sem procurar um orientador. gente sem sentimento
nenhum tentando escrever para impressionar outros que também não conseguem.
gente mesquinha que ri de autores que estão publicados, pois se vangloriam que
estudam isso. na verdade, gente como você estuda mesquinharia. isso seria demais,
ela é muito doce. relevei, não rebati, vi o vestido vermelho na foto, lembrei
dela com outros vestidos. de como seria ela sem um deles, apesar de achar que
não será nada demais. preferi ser gentil e esquecer, esperar outra mensagem. e
elas vieram e ficou para trás essa.
e sinto mais uma vez a mesma sensação: é melhor ser gentil
do que rude. pois mesmo achando que não será nada demais, poderá ser algo, uma
surpresa. como a última, ainda que eu esteja indeciso sobre, ela é chata e eu
não tenho assunto. elas não viram números, viram momentos, acho que a reciproca
é verdadeira. posso estar mentido para mim mesmo como um canalha que ainda
acredita em si. como um canalha que senta o dedo, fala umas besteiras, leva um
papo numa boa justamente para ter mais um momento. é só necessário isso. não
muito mais porque me canso depois.
ela não é chata, só está lotada de academia na cabeça.
provavelmente a conversa possa melhorar a sós, as posições discordantes
entedidas frente a frente. um bom papo, uma boa tarde, uma boa noite. uma outra
surpresa, um outro momento, um outro vestido no chão. a raiva de rebater, o
confronto, entre muitos, que eu não consigo mais calar talvez se torne um bom
debate sobre a forma e o conteúdo, de como eu detesto que o primeiro seja mais
relevante porque nessas aulas de escrita criativa se produzem números, não
produzem momentos. é a partir da dialética que a boa literatura aflora. é a
partir da dialética que forma e conteúdo se casam e mostram um mundo que existe
entre um eu-personagem e o outro-sociedade. é pela dialética que se faz as
coisas. é por ser canalha que eu sou gentil.