terça-feira, 12 de dezembro de 2017

cioranica I

talvez o passado seja uma gaveta bagunçada que não deve ser mexida. por medo, por receio. que vale o esforço? para que o esforço? a memória é um artefato atroz, sob o signo da derrota iminente. o que ficou para trás é lembrança, mas a viva lembrança se desfaz quando do presente. o futuro é uma grande colagem de erros, máximas perdidas, lágrimas choradas, certezas vencidas. que é o presente então se não um intermezzo entre o que deu errado e o que pode dar errado? de novo?

o sol da praia, o vento úmido, a sensação de que as coisas poderiam mudar, nada disso é verdade quando vistos no passado. porém eram presente, porém eram algo, porém eram uma possibilidade. mas as possibilidades se esgotam, as certezas se resvalam e o que fica é um vazio. um vazio, um presente, um esgotamento do que não pode ser. a vida é uma incerteza que não se esvai, que não se esgota, que simplesmente é. um eterno presente entre passado errado e futuro errôneo.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

um ventilador

era um ventilador de chão pra dois. subia a ladeira, quase sem aguentar dentro da bermuda, tocava a campainha da vila já vendo você sair de toalha, com a cabeça molhada, sem sutiã, mal cabendo a blusa furada e as alças arregaçadas. quando vinha uma alça caída, a bermuda lembrava e molhava. teu beijo com cheiro de banho, teu quadril ainda frio da água. teu sorriso, porra. a vontade de meter a mão por baixo da blusa, arrancar a tua bermuda puída, puxar tua calcinha pro lado e enfiar a cara no teu grelo sentido tua buceta raspada. ou de noite, esperando a janta, a mão na tua virilha, teu peito do rosa pro bege. podia pegar fogo na cozinha que eu te chupava ali mesmo. o colchão rasgado no meio do chão, as roupas sujas e limpas juntas. mesmo com a idiota do quarto do lado, só pensava em te comer, em você em cima de mim. teu peito balançando. teu mamilo duro e teu cabelo na minha cara, no meu peito, na minha boca. sentindo você quente por dentro, você sempre em cima de mim, sentando forte, socando a parede. o cheiro de porra e as infinitas camisinhas jogadas, abertas, era o nosso cheiro naquele quarto. era tua buceta no meu pau na baixada, era a gente sendo feliz. era um ventilador de chão pra dois, porra.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

vendo

vendo. diz a placa. dois telefones, mas está ali há meses. difícil vender por aqui. bairro caro, mas que não tem nada. eu não tinha reparado as outras vezes, só reparei quando resolvi fumar ultimamente na sala. ela tem uma varanda. o que aumenta o preço de venda. nos últimos dias, ou semanas, não sei, parece que ela mora sozinha. já vi um casal algumas vezes lá, um cachorro. nem sempre. tenho a visto mais que os outros. fumando. em cima da placa de vendo. vendo. filtro branco? amarelo? 50? 60 anos? não sei dizer. assim como não sei como reparei que ela também me percebia. sempre desviei o olhar, nunca me detive, mas nas ultimas semanas, ou dias, tenho parado para vê-la. fumando. eu e ela. o meu é sem filtro, palha, o mais barato que tiver. talvez a menina seja filha dela, é loura que nem ela, mas o cara também tem cara de filho. não sei de quem é o cachorro, poucas vezes o vi. achei que fosse do casal, se é que são um, mas não sei se moram lá. um? ou dois quartos? o dela é qual? ela sempre acende o cigarro dentro da sala e depois vai fumar fora, fechando a porta de vidro. talvez nem sempre, mas nas últimas vezes também reparei nisso. algumas vezes a vi de robe. mas só prestei atenção quando a vi de moletom. estranho. talvez algo no moletom. ou o frio. ou minha cabeça mesmo. o que está coberto, sem se saber. assim como não sei dizer quais são os telefones das duas placas de vendo. solteira? casada? mora com os dois ou sozinha? não sei se ela trabalha, mas acaba que os cigarros, o meu e o dela, coincidem nos mesmos horários. agora fui fumar esperando vê-la. erro meu. não é assim que funciona. como será a cama dela? e seus peitos? sei que são pequenos, ela é esguia. o cabelo não é longo, mas também não é curto.  como ela é de quatro? conserva os pelos ou se raspa toda? 18h, o sino da igreja. arturo sandoval. talvez ela esteja lá enquanto eu estou aqui na sala digitando. eu acabei um cigarro e ela não estava lá. não foi a primeira vez. bom, pelo menos foi a primeira depois que eu a notei. acho que o nome eu nunca vou saber. talvez ligando para os telefones. mas com que propósito? “alô, gostei do apartamento, mas queria mesmo era fumar um cigarro depois de te comer.” muito sujo? ou infantil? a luz da rua reflete em mim e nela. eu a vejo com mais sombra que luz. talvez a minha cara fique estranha com o efeito amarelo. a bateria do computador tá baixando. queria outro cigarro, mas os meus estão acabando. talvez ela olhe por olhar, ou mesmo pode estar olhando para outro ponto que não o meu apartamento, que não a sala, que nem seja esse prédio. mas eu fiquei vendo. ela não olha. entre uma tragada e outra, guimbando ora na rua, ora num cinzeiro. é para mim. 20? 30 anos? talvez ela se pergunte. talvez não. mas ela não desvia o olhar. como se convidasse. “é, estou vendo um cara de 30 do outro lado da rua fumando, quero foder ele”. aham. acredite nisso. quero outro cigarro. tenho mais dois pela metade. as duas placas de vendo. estou a vendo agora. vendo.