quarta-feira, 6 de setembro de 2017

vendo

vendo. diz a placa. dois telefones, mas está ali há meses. difícil vender por aqui. bairro caro, mas que não tem nada. eu não tinha reparado as outras vezes, só reparei quando resolvi fumar ultimamente na sala. ela tem uma varanda. o que aumenta o preço de venda. nos últimos dias, ou semanas, não sei, parece que ela mora sozinha. já vi um casal algumas vezes lá, um cachorro. nem sempre. tenho a visto mais que os outros. fumando. em cima da placa de vendo. vendo. filtro branco? amarelo? 50? 60 anos? não sei dizer. assim como não sei como reparei que ela também me percebia. sempre desviei o olhar, nunca me detive, mas nas ultimas semanas, ou dias, tenho parado para vê-la. fumando. eu e ela. o meu é sem filtro, palha, o mais barato que tiver. talvez a menina seja filha dela, é loura que nem ela, mas o cara também tem cara de filho. não sei de quem é o cachorro, poucas vezes o vi. achei que fosse do casal, se é que são um, mas não sei se moram lá. um? ou dois quartos? o dela é qual? ela sempre acende o cigarro dentro da sala e depois vai fumar fora, fechando a porta de vidro. talvez nem sempre, mas nas últimas vezes também reparei nisso. algumas vezes a vi de robe. mas só prestei atenção quando a vi de moletom. estranho. talvez algo no moletom. ou o frio. ou minha cabeça mesmo. o que está coberto, sem se saber. assim como não sei dizer quais são os telefones das duas placas de vendo. solteira? casada? mora com os dois ou sozinha? não sei se ela trabalha, mas acaba que os cigarros, o meu e o dela, coincidem nos mesmos horários. agora fui fumar esperando vê-la. erro meu. não é assim que funciona. como será a cama dela? e seus peitos? sei que são pequenos, ela é esguia. o cabelo não é longo, mas também não é curto.  como ela é de quatro? conserva os pelos ou se raspa toda? 18h, o sino da igreja. arturo sandoval. talvez ela esteja lá enquanto eu estou aqui na sala digitando. eu acabei um cigarro e ela não estava lá. não foi a primeira vez. bom, pelo menos foi a primeira depois que eu a notei. acho que o nome eu nunca vou saber. talvez ligando para os telefones. mas com que propósito? “alô, gostei do apartamento, mas queria mesmo era fumar um cigarro depois de te comer.” muito sujo? ou infantil? a luz da rua reflete em mim e nela. eu a vejo com mais sombra que luz. talvez a minha cara fique estranha com o efeito amarelo. a bateria do computador tá baixando. queria outro cigarro, mas os meus estão acabando. talvez ela olhe por olhar, ou mesmo pode estar olhando para outro ponto que não o meu apartamento, que não a sala, que nem seja esse prédio. mas eu fiquei vendo. ela não olha. entre uma tragada e outra, guimbando ora na rua, ora num cinzeiro. é para mim. 20? 30 anos? talvez ela se pergunte. talvez não. mas ela não desvia o olhar. como se convidasse. “é, estou vendo um cara de 30 do outro lado da rua fumando, quero foder ele”. aham. acredite nisso. quero outro cigarro. tenho mais dois pela metade. as duas placas de vendo. estou a vendo agora. vendo.