domingo, 8 de agosto de 2010

sentido

eu nunca me dei bem com aquela menina. não sei porque. e ela também não se dava comigo. e ela também não sabia por que. por alguma razão não nos bicávamos. por anos a fio. nada. nenhuma palavra amiga. nenhum gesto de carinho. nem de indiferença. só implicâncias. tinhamos milhares de amigos em comum. era quase impossível de por um tempo não nos vermos pelo menos uma vez por semana. mas nada disso adiantava. não nos cumprimentávamos. ficávamos nos implicando toda vez que podíamos. não nascemos de forma alguma para aturar um ao outro. até que um dia saímos e notei que todos tratavam ela com um certo apreço a mais. estranhei. não fosse o fato de não nos bicássemos, mas ela era bem chata às vezes e a maioria de nosso amigos não à levava a sério. coisa que eu sempre fiz com extremeza. mas aquele dia era diferente. mandaram recados, consolavam-na, conversavam baixo, se importavam com ela e de todas as formas ela tinha alguém sempre do lado dela. estranhei muito isso. mais do que deveria. até porque desgostava dela mais do que os outros. me atentando um pouco mais me liguei e descobri. a mãe dela tinha morrido. é uma bosta, lógico. a menina deve ter ficado arrasada. perder uma mãe quando se tem pouco mais de 20 anos é uma barra. realmente uma merda. pensei logo na minha e no quanto perdê-la seria ruim. apesar de todas as pessoas um dia morrerem. é uma foda. te fode a vida toda. você perde o chão. não me contive em saber que ela morreu e comecei a me perguntar se teria sido de câncer, batida de carro, diabetes, coração e todas aquelas coisas óbvias. fui e perguntei a um amigo. ele me disse que tinha sido depois de uma cirurgia. que merda, eu pensei. ela tinha um problema, foi tentar corrigir e morreu. devia ser algo relacionado com câncer, batida de carro, diabetes, coração e etc. meu amigo virou e disse que não foi nada disso. foi uma lipoaspiração. complicações depois da cirurgia mataram a mãe da menina. que modo estúpido de morrer. uma forma tão imbecil. por vaidade. morrer por vaidade. que merda. depois disso encontrei com a menina. ela viu que eu não estava com a mesma cara de quem ia implicar com ela e nem ela comigo. a gente não sabia porque não se bicava. nunca soubemos. quando a vi, fui andando em direção a ela e ela sabia que eu ia falar alguma coisa sobre o que aconteceu, porque era muito estranho o jeito que eu estava indo até ela. eu sabia disso, ela sabia disso. fiquei de frente pra ela. ela me olhou e eu olhei pra ela. num instante depois de quase 10 anos sem sabermos porque, eu dei sentido à nossa implicância toda e falei pra ela: sua mãe é uma idiota. me senti aliviado. depois de algum tempo tudo fazia sentido. após tanto tempo ela também deve ter se sentido aliviada. ela tinha uma razão pra me odiar. e eu pra implicar com ela. finalmente nós nos daríamos de alguma forma honesta e compreensível. dali em diante nos odiávamos e sabíamos porque. porque a mãe dela era uma idiota.