vendo. diz a placa. dois telefones, mas está ali há meses.
difícil vender por aqui. bairro caro, mas que não tem nada. eu não tinha
reparado as outras vezes, só reparei quando resolvi fumar ultimamente na sala.
ela tem uma varanda. o que aumenta o preço de venda. nos últimos dias, ou
semanas, não sei, parece que ela mora sozinha. já vi um casal algumas vezes lá,
um cachorro. nem sempre. tenho a visto mais que os outros. fumando. em cima da
placa de vendo. vendo. filtro branco? amarelo? 50? 60 anos? não sei dizer.
assim como não sei como reparei que ela também me percebia. sempre desviei o
olhar, nunca me detive, mas nas ultimas semanas, ou dias, tenho parado para
vê-la. fumando. eu e ela. o meu é sem filtro, palha, o mais barato que tiver. talvez
a menina seja filha dela, é loura que nem ela, mas o cara também tem cara de
filho. não sei de quem é o cachorro, poucas vezes o vi. achei que fosse do
casal, se é que são um, mas não sei se moram lá. um? ou dois quartos? o dela é
qual? ela sempre acende o cigarro dentro da sala e depois vai fumar fora,
fechando a porta de vidro. talvez nem sempre, mas nas últimas vezes também
reparei nisso. algumas vezes a vi de robe. mas só prestei atenção quando a vi
de moletom. estranho. talvez algo no moletom. ou o frio. ou minha cabeça mesmo.
o que está coberto, sem se saber. assim como não sei dizer quais são os
telefones das duas placas de vendo. solteira? casada? mora com os dois ou
sozinha? não sei se ela trabalha, mas acaba que os cigarros, o meu e o dela, coincidem
nos mesmos horários. agora fui fumar esperando vê-la. erro meu. não é assim que
funciona. como será a cama dela? e seus peitos? sei que são pequenos, ela é
esguia. o cabelo não é longo, mas também não é curto. como ela é de quatro? conserva os pelos ou se
raspa toda? 18h, o sino da igreja. arturo sandoval. talvez ela esteja lá
enquanto eu estou aqui na sala digitando. eu acabei um cigarro e ela não estava
lá. não foi a primeira vez. bom, pelo menos foi a primeira depois que eu a
notei. acho que o nome eu nunca vou saber. talvez ligando para os telefones.
mas com que propósito? “alô, gostei do apartamento, mas queria mesmo era fumar
um cigarro depois de te comer.” muito sujo? ou infantil? a luz da rua reflete
em mim e nela. eu a vejo com mais sombra que luz. talvez a minha cara fique
estranha com o efeito amarelo. a bateria do computador tá baixando. queria
outro cigarro, mas os meus estão acabando. talvez ela olhe por olhar, ou mesmo
pode estar olhando para outro ponto que não o meu apartamento, que não a sala,
que nem seja esse prédio. mas eu fiquei vendo. ela não olha. entre uma tragada
e outra, guimbando ora na rua, ora num cinzeiro. é para mim. 20? 30 anos?
talvez ela se pergunte. talvez não. mas ela não desvia o olhar. como se
convidasse. “é, estou vendo um cara de 30 do outro lado da rua fumando, quero
foder ele”. aham. acredite nisso. quero outro cigarro. tenho mais dois pela
metade. as duas placas de vendo. estou a vendo agora. vendo.