terça-feira, 20 de outubro de 2009
olho
eu vi uma mulher com um colar indígena, um daqueles de nativos americanos. achei-a bonita e pensei em me aproximar. ia começar falando do colar é claro. mas me lembrei de algo que me fez perdê-la de vista. eu me lembrei de um cara que estudou comigo. deve fazer uns 6 anos. eu estava com uma pulseira de contas, com umas incrições em cada bolinha. parecia budista, mas hoje me parece ridícula. uma dessas que na época era costumeiro usar. uma das mais baratas. paguei muito pouco por ela. e esse cara me abordou uma vez. eu sabia que ele era evangélico. mas nunca tive a constatação ou a profundidade de seu credo. ele me abordou e perguntou "você acredita nessas coisas?" e com ar de desconfiança. me bastei a lhe dizer que não, apenas comprara porque gostei. eu podia ter lhe dito a verdade. tudo. mas tinha a certeza, e ainda a tenho, que ele ia tentar me convencer do contrário. sobre ser ateu. e começar aquele papo de "cédulas", "iniciação" e tal. preferi ficar por isso mesmo. não valia muito à pena me exaurir por tão pouco. me enfiar naquilo por causa de uma pulseira. não podia me esgotar dando a ele as chances para aparecer no meio daquela gente no corredor. aquele deus de merda o ia acompanhar o resto do ano. e eu sabia que ele entendeu que eu não acreditava em absolutamente nada. nem na pulseira e nem nele. e sei que isso o pertubou por bastante tempo. um herege entre ele e ele sabia. mas não tinha provas. nada podia fazer. não tinha ninguém para contar. tinha apenas a certeza da minha descrença. tinha apenas a função de me olhar toda vez dali pra frente, com estranheza. o que foi o meu maior prazer. ver a mente dele fervilhar toda vez que me olhava. sempre olhava de volta para ele pensando: "olhe aqui seu babaca, sou mais que um pecador, sou um herege! não peco porque não acredito! se remoa em culpa enquanto eu ando leve". e sabia que ele entendia cada frase que o meu olho falava. o olho do herege.